segunda-feira, 14 de junho de 2010

O Traje Académico em Coimbra
I - O Antigo Regime

Ao contrário do que possa pensar-se, a Universidade de Coimbra-Lisboa[1] não teve um uniforme instituído desde o princípio, nem para os estudantes, nem para os professores. Não significa isto, no entanto, que o seu vestuário não estivesse regulamentado, antes pelo contrário. Na Idade Média, e em parte até ao Liberalismo, o peso do gosto individual na forma de vestir era muito menor do que actualmente: a indumentária devia reflectir claramente o lugar de cada indivíduo na ordem social.[2] Assim, o vestuário dos elementos da Corporação Universitária tinha que espelhar de alguma forma a pertença a essa corporação. Havia, por um lado, diversas limitações oficiais a esse vestuário, de forma a torná-lo sóbrio, decente, e a impedir que colidisse com os privilégios e características próprias dos trajes de outros elementos da sociedade (certas cores e certos tecidos, por exemplo, estavam reservados a determinados estatutos sociais).

Nos Estatutos de 1431, D. João I mandou que
"magistri et doctores euntes ad legendum vel ad quoscunque allios actus scollasticos vel per modum universsi incedant in aparatu in generali sive doctoralli et legentes licenciati et bachalarii in habitu honesto ad minus tallari et ceteri scollares honesti saltim usque ad mediam tibiam";[3]
("os mestres e doutores indo a leccionar ou a quaisquer outros actos escolares ou [que estejam] dentro dos limites da universidade andem em aparato geral ou doutoral e os lentes [i. e., docentes] licenciados ou bacharéis em hábito honesto ao menos talar [i. e., até aos tornozelos] e os outros escolares [em hábitos?] honestos, pelo menos até à meia perna.")[4]

D. Manuel I, por volta de 1503,
"que os escolares [...] andem honestamente vestidos e calçados, scilicet [isto é] não tragam pelotes, nem capuzes, nem barretes, nem gibões vermelhos nem amarelos nem verde-gaio, nem cintos lavrados de ouro";[5]

D. João III, na Ordenança para os estudantes da Universidade de Coimbra, de 1539:
"[...] toda pessoa de qualquer qualidade e condição que seja que por bem de minha ordenação da defesa das sedas a pode trazer [...] a não possa trazer [...] enquanto na dita universidade estudar [...]
Nem poderão os sobreditos nem outros alguns estudantes trazer barras nem debruns de pano em vestido algum.
Nem isso mesmo poderão trazer vestido algum de pano frisado.
Nem poderão trazer barretes doutra feição senão redondos.
E assim hei por bem que os pelotes e aljubetas que houverem de trazer sejam de comprido três dedos abaixo do joelho ao menos.
E assim não poderão trazer capas algumas de capelo; somente poderão trazer lobas abertas ou cerradas; ou mantéus sem capelo.
Item não trarão golpes nem entretalhos nas calças. Nem trarão lavor branco; nem de cor alguma em camisas nem lenços";[6]

e D. João IV, nos Estatutos de 1653 (chamados Estatutos Velhos):
"1º-Os estudantes andarão honestamente vestidos, sem seda alguma: mas poderão trazer os chapéus e barretes forrados, e colares dos mantéus e guarnições de sotainas por dentro: e nas camisas não trarão abanos, senão colares chãos sem feitio de rendas, nem bicos, nem trancinhas, nem de outras guarnições semelhantes, sob pena de dous mil reais, pagos da cadeia, a metade para a Confraria, e a outra para quem o acusar. E não trarão em nenhum vestido de sotaina, calças ou pelotes, as cores aqui declaradas: amarelo, vermelho, encarnado, verde, laranjado, sob pena de perderem os ditos vestidos [...] E porém debaixo das sotainas poderão trazer gibões, ou jaquetas de panos de cores, para sua saúde: contanto que os colares não sejam mais altos que os das sotainas, nem as mangas mais compridas: e poderão outrossim, debaixo das botas ou borzeguins trazer meias calças de cores bem cobertas: e em casa, ou pelas ruas, onde pousarem, poderão trazer roupões de cores, contanto que não sejam das acima proibidas [...]
2º-Não poderão trazer barretes de outra feição, senão redondos, ou de cantos; nem carapuças, senão os que trouxerem dó, no tempo limitado, ou pelas pessoas que o podem trazer [...] E os mantéus, que houverem de trazer, serão compridos, ao menos até ao artelho.
3º-Não trarão capas de capelo cerrado, e trarão mantéus de colar ou de capelos abertos. Porém os criados de estudantes poderão ir ouvir às Escolas com pelotes e ferragoulos, e chapéus, e colares de abanos nas camisas, chãos, que não passem de dous dedos. E os estudantes pobres poderão trazer o mesmo trajo: tirando os colares das camisas de abanos.
4º-Não trarão golpes, nem entretalhos que se vejam em algum vestido, nem piques, golpes, botões ou fitas em botas, ou sapatos [...]".[7]

Por outro lado, a Universidade estava intimamente ligada à Igreja, era efectivamente uma instituição eclesiástica, e uma grande parte dos estudantes e mestres eram clérigos. É pois natural que os universitários adoptassem uma maneira de vestir eclesiástica. António Nunes (em "Subsídio...", págs. 405-406) dá-nos uma caracterização do vestuário dos estudantes de Coimbra nos séculos XVI e XVII:
"Loba ou Sotaina, decorada à frente, de alto a baixo, com uma fileira de pequenos botões, abotoada pelas costas com botões ou cordeis, a qual descia até à meia perna; uma Capa com gola e alamares ou cordão de borlas; um Barrete arredondado ou de cantos; Calção sem entretalhos ou golpes, meias e Botas ou Borzeguins. Os estudantes colegiais [8] traziam os Hábitos das respectivas Ordens, salvo os dos Colégios seculares de S. Pedro e S. Paulo que tinham um Hábito semelhante aos escolares colegiais de Salamanca [...]. Este Trajo usado nas Faculdades também era extensivo aos Lentes, ressalvando-se apenas o pormenor de a Sotaina dos Mestres chegar ao calcanhar, enquanto a do estudante chegava à meia perna. Através dos Estatutos de 1653, dados por D. João IV, ficamos a saber que nesta época ainda se usavam barretes redondos ou de cantos para cobrir a cabeça e não o Gorro comprido, o qual se começou a trazer mais tarde, talvez nos começos do século XVIII. Estes Estatutos conferem ao estudante liberdade para trazer debaixo da Batina coletes e camisas, só mais tarde se tornando obrigatório o costume de envergar Volta Branca e Cabeção Negro [...]."

As lobas dos colégios eram de cores variadas (dentre as que não eram proibidas, claro): em Todos os Santos usavam o pardo, em S. Miguel roxo escuro, em S. Paulo castanho escuro, etc. Mas o preto viria a dominar.[9]

Pormenor de uma gravura holandesa (de George Braun & Franz Hogenborg) de 1572, sobre Coimbra. Parece representar dois escolares – estudantes ou professores. Será o único documento iconográfico sobre o traje académico de Coimbra no século XVI. (Extraído de António Correia, “Subsídios para o estudo do trajo dos estudantes de Coimbra”, Rua Larga, n.º 5 (16/10/1957), pág. 133).

Desta forma, no seu início, o objectivo principal do Traje Académico, não era, como muitas vezes se diz, igualizar os estudantes, mas antes fazer distinguir os académicos na sociedade.[10] A igualização entre estudantes acontecia (até certo ponto) porque, vindo estes de estatutos sociais (isto é, lugares na sociedade) diversificados, deviam convergir na posição académica.

Apesar da falta de uniformização, os estudantes eram obrigados a usar alguma forma de traje académico.[11] De notar que essa obrigatoriedade era permanente, nas aulas ou fora delas, dentro da cidade de Coimbra (território académico).[12]

É possível que no início do século XVIII a maioria dos estudantes (não colegiais) já tivesse convergido para uma mesma forma de traje académico - embora essa forma estivesse dependente de flutuações de moda. Isto é o que se depreende de uma passagem de António Ribeiro Sanches, estudante em Coimbra de 1716 a 1719, nos "Apontamentos para fundar-se uma Universidade Real" (1761):
"até o ano 1718, o vestido dos estudantes da Universidade de Coimbra era uma loba de baeta com capa, que custava 7200 r. até 9600 r. Neste ano veio de Lisboa a moda da abatina, e vem a custar este vestido de crepe ou de pano de 25000 r. até 30000 r."[13]
Qual a diferença entre a loba com capa e a abatina? Segundo o Vocabulario Portuguez e Latino (10 vols., 1712-1728) do P. Rafael Bluteau, a loba era uma
"Vestidura eclesiástica, clerical e honorífica, que chega até o chão, cortada de maneira que nela entram os braços; dela usam também os bedeis da Universidade [...]"
e
"Andar à Abatina. É andar no trajo dos abades seculares de França ou de Itália, com vestido de seda negra, capa curta, volta singela e cabeleira pequena."[14]
Estas descrições não serão muito esclarecedoras, mas parecem sugerir: 1 - que a loba seria mais comprida, mas a abatina de tecido mais caro; 2 - que a abatina foi inicialmente uma moda de influência estrangeira, e mais precisamente de além-Pirinéus. Note-se além disso que a abatina não era uma peça de vestuário, mas sim uma forma de vestir, que incluía uma capa e um vestido que mais tarde se chamaria túnica; ainda mais tarde, esta túnica chamar-se-ia "batina", por simplificação de "abatina".

Segundo António Nunes,
"a loba era uma veste acentuadamente comprida, constituída por dois corpos sobrepostos [...]
A sotaina interna, ou veste talar de baixo, comporta[va] mangas e sistema de abotoadura dianteiro em trespasse. A veste exterior, também conhecida por chamarra, chimere, zimarra, garnacha, [era] uma toga de mangões fendidos [ou despojada de mangas], estolas frontais e cabeção dorsal alongado, podendo comportar debruns variados. [...]
Grande parte do seu peculiarismo radicava no formato cónico da sotaina, que era de enfiar pela cabeça. Para que a entrada e saída da cabeça e dos braços ocorresse sem obstáculos, a sotaina alargava muito dos ombros para a meia perna, sendo ajustável no colarinho graças a um dispositivo de cordões semelhante ao do corpete que era aplicado na zona da coluna vertebral."[15]

Em 1772 a Universidade de Coimbra sofreu uma importante reforma (Reforma Pombalina), tendo recebido novos Estatutos. Os Estatutos de 1772 eram, no entanto, incompletos - (re)organizavam as faculdades, mas pouco diziam sobre a organização central da universidade; e por uma Carta Régia de 5 de Novembro de 1779 ficou explícito que os Estatutos Velhos de 1653 continuavam em vigor naquilo em que não tivessem sido revogados. Assim, sobre o enquadramento legal do traje dos estudantes, pouca ou nenhuma novidade. Os novos Estatutos apenas referem que, para se matricular,
"se apresentará cada Estudante em sua própria pessoa, vestido de hábito de Estudante, que seja decente" (Livro II, Título I, Capítulo IV, §39).
Não há normas legais sobre como deveria ser este hábito de estudante, mas existe uma descrição, pouco posterior, dos seus constituintes habituais. Na edição de 1791 da Macarronea Latino-Portuguesa (o conjunto de textos conhecido como Palito Métrico), vem incluída a "Economia Escolástica - segunda parte do Sábio em Mês e Meio", de António Castanha Neto Rua, que acerca do Traje Académico diz entre outras coisas o seguinte:
"Todo o cidadão que se condecora com o título de homem de bem, para decentemente aparecer no meio dos outros, carece para seu adorno externo, [...] enquanto estudante, de Verão, de sete [cousas], vem a ser:- cabeção, volta, camisa, batina, meias, sapatos, e fivelas; e de Inverno, de nove, porque entram calções e colete, que de Verão são inteiramente desnecessários."[16]
Segundo o Diccionario da Lingua Portugueza de António Moraes Silva (2 vols., Lisboa, 1789) "batina" era como o vulgo chamava à abatina, e esta era um "vestido de abade, ou clérigo secular, consta[ndo] de túnica, e capa talar mui fraldada". Quanto a "túnica": "vestidura talar, chegada ao corpo, e por baixo de capa".[17]

Sendo a túnica da batina descrita como talar, ou seja até ao calcanhar, deduz-se que era bastante mais comprida do que a actual batina. O facto de os calções serem dispensáveis sugere o mesmo. No entanto, no caso dos estudantes, é possível que não fosse rigorosamente talar - ou melhor, é natural que fosse um pouco mais curta do que a capa, já que, ainda na "Economia Escolástica", se lê: "Reprovo-lhe meias de seda, pois com o roçar da capa vão-se em dous dias"[18] - o roçar da capa, não da (túnica da) batina.






[1] Ou seja, a a universidade que foi fundada em 1288/1290 em Lisboa, transferida em 1308 para Coimbra, em 1388 de novo para Lisboa, em 1354 outra vez para Coimbra, em 1377 para Lisboa, onde esteve um longo (!) período de 160 anos e que ficou definitivamente instalada em Coimbra a partir de 1537.

[2] Cf. Léo Moulin, A Vida Quotidiana dos Estudantes na Idade Média, Lisboa: Livros do Brasil, 1994, págs. 44-46.

[3] Os primeiros estatutos da Universidade de Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra, 1991, pág. 16; também citado em Maria Teresa Nobre Veloso, "O Quotidiano da Academia" (in História da Universidade em Portugal, I volume, tomo I, Coimbra: Universidade de Coimbra e Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, págs. 129-151), pág. 134.

[4] Em Os primeiros estatutos da Universidade de Coimbra, pág. 17, aparece a seguinte tradução desta passagem, da responsabilidade do Prof. Doutor Monsenhor Cónego José Geraldes Freire, catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra:
"os mestres e doutores, quando vão para dar as suas lições ou para quaisquer outros actos escolares sigam, segundo o costume da Universidade, com o traje dos mestres ou dos doutores; e os licenciados e bacharéis que leccionarem, com traje honesto, pelo menos talar; e os restantes escolares honestos, ao menos até à meia tíbia".
Não tenho grande competência como tradutor de latim medieval mas, ressalvando a minha ignorância, atrevo-me a achar esta tradução um pouco livre e a usar no texto principal uma outra da minha autoria, feita quando ainda não conhecia esta. Vejo apenas duas diferenças significativas: "per modum universsi" creio poder significar quer "segundo o costume da Universidade" quer "dentro dos limites da universidade", e prefiro a segunda apenas para explicar o "vel" (= ou); "in aparatu in generali sive doctoralli" é mais complicado – traduzir "generali" por "dos mestres" parece-me de facto demasiado livre, pelo menos para os efeitos deste texto. De qualquer forma ficam-me dúvidas sobre esta passagem, que a mim parece indicar que os doutores e mestres podiam usar luxo não académico ("geral") ou, em alternativa, doutoral. Não parece haver quaisquer dúvidas sobre a secção final, que estipula que os licenciados, os bacharéis e os estudantes não graduados deveriam usar roupa sóbria ("honesta"), com os comprimentos indicados.

[5] Os primeiros estatutos da Universidade de Coimbra, pág. 34; também citado em Maria Teresa Nobre Veloso, "O Quotidiano da Academia", pág. 134.

[6] Ordenança pera os estudãtes da universidade de Coymbra, reedição fac-similada comemorativa do IV Centenário do estabelecimento definitivo da Universidade em Coimbra, s.l. [Coimbra?], s.d. [1937?]. Também citado por Manuel Cabral e Rui Marrana, Quid Praxis? (Portucalensis), Porto: Associação de Estudantes da Universidade Católica Portuguesa no Porto, 1982, pág. 52; e por Alberto Sousa Lamy, A Academia de Coimbra 1537-1990, Lisboa: Rei dos Livros, 1990, pág. 649.

[7] Estatutos da Universidade de Coimbra (1653), edição fac-similada, Coimbra: por ordem da Universidade, 1987, pág. 139. Também citado por António Nunes, "Subsídio para o estudo genético-evolutivo do Hábito Talar na Universidade de Coimbra" (in Universidade(s) - História, Memória, Perspectivas, vol.3, Coimbra, 1991, págs. 399-419), pág. 407; e por Alberto Sousa Lamy, A Academia de Coimbra, pág. 649 e seg.

[8] Isto é, os que viviam nos Colégios, espécie de Residências, normalmente pertencentes a ordens clericais.

[9] António de Oliveira, “O Quotidiano da Academia”, (in História da Universidade em Portugal, I volume, tomo II, Coimbra: Universidade de Coimbra e Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, págs.617-692), págs. 643-644.

[10] Existiam outras formas de distinção, como o Foro Académico: os universitários (incluindo os funcionários e todos os que trabalhassem para a Universidade) estavam fora da alçada das autoridades comuns. Tinham tribunais, cadeia e mesmo polícia (os verdeais) próprios.

[11] António de Oliveira, “O Quotidiano da Academia”, págs. 642-643.

[12] Lamy, Academia de Coimbra, pág. 653.

[13] António Nunes Ribeiro Sanches, Obras, vol. I, Coimbra: por ordem da Universidade, 1959, pág. 158 (estes "Apontamentos...", datados de Paris, 17 de Julho de 1761, foram publicados originalmente em 1763 junto com o Método para aprender e estudar a Medicina). Esta passagem é também citada por Lamy, Academia de Coimbra, pág. 651. Na Universidade Real (por oposição a eclesiástica) que Ribeiro Sanches propunha, "todos os Magistrados, Lentes, Leitores, Estudantes internos e externos [andariam] vestidos da mesma sorte", com a única diferença de uma insígnia ("uma marca no vestido, como uma meia estola, de cores diferentes") pela qual se distinguiriam; e todas as peças de vestuário e afins seriam de fabrico nacional - Ribeiro Sanches criticava os enormes gastos dos estudantes de Coimbra neste campo, nomeadamente em artigos estrangeiros.

[14] "Loba" aparece no vol. V (1716), pág. 168; "Abbatina" no vol. I (1712), pág. 20.

[15] Cf. as entradas O hábito talar e as insígnias de Bernardino Machado (cont.) - Percursos do Hábito Talar em Coimbra, Porta-Maças da Catedral de Peterborough e Santo Ovídio "Doutor" do blogue Virtual Memories. António Nunes defende que a substituição da loba pela batina no traje dos estudantes de Coimbra se deu apenas depois das reformas liberais de 1834 - e ainda um pouco mais tarde no caso do traje dos doutores. Não estou convencido disso (devido ao testemunho de Ribeiro Sanches e ao que veremos a seguir), mas ressalve-se que: 1 - um relato de um viajante alemão, Heinrich Friedrich Link (1767-1851), que esteve em Coimbra em Maio de 1798, parece de facto descrever o traje dos estudantes e professores como constituído por loba (sem capa?); e 2 - um edital de 1843 utiliza ainda a palavra "lobas".

[16] Palito Métrico e correlativa Macarrónea Latino-Portuguesa, nova edição de harmonia com a quarta, de 1792, Coimbra: Coimbra Editora, 1942, pág. 384.

[17] A loba parece que era já antiquada: "Vestido escolástico antigo, consta de túnica aberta que sobrepõe por diante, sem mangas, e de uma capa talar".

[18] Palito Métrico, pág. 385.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

A Douta Assembleia dos Capelos

[José Souto Teixeira, Porto Académico, n.º único de 1962, pág. 19]


A corresponder ao pedido dum velho companheiro da minha geração académica, cá estou a escrevinhar qualquer coisa, como se fora uma página de memórias dos bons tempos em que frequentei a nossa Universidade.

Para ela entrei, já lá vai mais de uma quarentena de anos[1], pode dizer-se, pelo braço do Modesto Osório que tão vincadamente marcou a sua personalidade como regente da Tuna Académica e que todos os do meu tempo recordam com respeito e saudade. Frequentávamos ambos o Liceu de Viseu. Lá tinhamos a nossa Tuna. Ele o regente, eu o chefe dos violões. Cursava o sétimo ano quando Modesto Osório me escreveu um postal do Porto onde dizia: «não vás para Coimbra; foge dos «canelões» e das «troupes»; aqui sou caloiro e regente da Tuna; os violões são fracos e aqui fazes um figurão».

Segui o conselho e numa fria noite de inverno, de banza ao tiracolo, cheguei ao Porto e quando Modesto Osório me encaminhava para uma pensão da Rua dos Caldeireiros, fomos, ao dobrar duma esquina, cercados por um grupo de embuçados.

Que biltre, este Modesto Osório, pensei com os meus botões!... E dizia-me que no Porto não havia «troupes» e prega-me esta partida!... Insultei-o. «Cala-te, disse-me em surdina, em tom enérgico mas um tanto apavorado. São os «trauliteiros». Não nos fizeram mal mas não ganhei para o susto.[2]

A primeira aula a que assisti foi a de Química Inorgânica, regida pelo Conselheiro José Arroio. Ainda o estou a ver no seu fraque impecável, a sua pêra grisalha, com dois pares de lunetas de vidros muito espessos cavalgando no nariz, escrevendo fórmulas químicas com giz envernizado para não sujar as mãos.

A seu lado, o preparador Aprígio Dantas, de esponja em punho pronto a apagar, a um sinal do mestre, o que no seu quadro se tornava desnecessário. O tempo tornou-me admirador do Conselheiro e amigo do Dantas, esta figura incomparável que o Zeferino, no «Porto Académico» de 1938, assim retratou: «baixo, muito gordo, cara rapada, com uma cicatriz no lábio superior produzida por queimadura de qualquer ingrediente químico, o Dantas, que a todos tratava por tu, gozava duma propriedade: dormia de pé».

O ano tinha corrido agitado. O tifo exantemático, a pneumónica, as greves, as consequências sociais e políticas que sucederam à primeira guerra mundial, pertubaram os trabalhos escolares e o Conselheiro Arroio só conseguira, do programa, dar os metalóides e dois únicos metais: o ferro e o alumínio. Nas vésperas dos actos[3], o bom do Dantas avisou os alunos que era da praxe ir a casa do Mestre pedir benevolência. Desgraçado aquele que o não fizesse. Eu era o último a fazer exame e todos os que me antecederam seguiram o conselho do Dantas. E assim, na véspera do primeiro exame que is fazer na Universidade, meti-me no eléctrico e lá fui até à Foz, a casa do Mestre.

Recebeu-me no cimo da escada, embrulhado num roupão de seda. Já com a porta da rua aberta e quando fazia a vénia final da despedida, o Mestre diz-me lá de cima: Oiça lá, creio que durante o ano só fizemos o estudo de dois metais, mas não me lembro quais. Respondi-lhe: o senhor Conselheiro deu o ferro e o alumínio, mas não tem feito perguntas sobre eles nos exames já feitos. O Mestre sorriu-se e retorquiu: não tenho feito perguntas sobre esses metais por esquecimento, mas de futuro não me esquecerei. Saí radiante. O Mestre simpatizara comigo e indirectamente tinha-me dado o ponto para o exame.

Vim para o quarto e toda a noite só estudei o ferro e o alumínio. Chegou o exame. Uma hora decorrida e o Mestre só me tinha feito perguntas sobre os metalóides. No final do acto, disse-me: «Está terminado o seu exame; não lhe fiz perguntas sobre os metais porque tenho a certeza de que o senhor os estudou toda a noite». E tinha acertado, mas nos exames sequentes – química-qualitativa e química-física – tomei as devidas precauções.

Os tempos corriam agitados nos primeiros anos em que frequentei a Universidade. Entrei para a pensão da Rua dos Caldeireiros a pagar vinte escudos por mês e pouco mais de um ano decorrido pagava oitenta. A situação, por vezes, para os comensais da pensão, quase todos estudantes, tornava-se aflitiva em face do rápido aumento do custo de vida. Enquanto uns iam pagando como podiam, ou pediam moratórias, outros pagavam em géneros que tinham escondidos nos quartos debaixo das camas, arranjados a preço baixo ou gratuitamente quando o povo amotinado assaltou os armazéns dos açambarcadores.

E sucedeu o inevitável. A pensão rebentou e, quando num dia ansiosamente esperávamos o jantar, o dono da pensão veio ter connosco e disse: «Não lhes posso dar hoje de comer»; e, dando a cada qual vinte e cinco tostões, continuou: «Com este dinheiro, o dinheiro do jantar, podereis ir comer aonde quiserdes». Assim foi, fomos todos para um tasco da Rua de Trás e jantámos castanhas assadas regadas com bom vinho verde. Foi, talvez, a refeição de toda a minha vida de que guardo mais grata recordação.

Estoicamente enfrentámos a realidade e resolvemos fundar uma «República». Descobrimos um estupendo colaborador na pessoa do Sr. João Loureiro, galego de origem, dono duma casa de comidas e bebidas num rés-do-chão, na Rua de S. João Novo, em frente do velho Tribunal. Fundou-se assim a «Douta Assembleia dos Capelos», que se manteve durante uns três anos, regida por «Constituição» própria a que todos deviam cega obediência. Os iniciados admitidos eram sujeitos a duras provas.

À volta da «Douta» girava toda a vida académica do Bairro: ruas das Taipas, do Calvário, S. Miguel e Belomonte. A população associava-se às nossas festas, principalmente quando um de nós era feliz no exame feito ou da parvónia chegava, dos pátrios lares, pitéu de respeito. Cada grande festa era seguida de baile. Tudo tinha entrada – pax intrantibus – principalmente as raparigas. E quando a casa não chegava, bailava-se na rua. Lembro-me, duma vez, que entre elas estava a filha do regedor da freguesia que morria de amores por um «douto». De súbito, – no auge da festa, entra o regedor com ar imponente e autoritário e prega uma bofetada na filha.

E enquanto a rapariga, em altos gritos dizia: – «Bata, meu pai, que o amor batidinho é quanto sabe melhor», – armou-se tal zaragata que alvoroçou todo o bairro. Entram na liça alguns «futricas»[4] despeitados, ouvem-se apitos e a polícia dificilmente conseguiu serenar os ânimos. Tudo dispersou, mas pouco depois, um polícia, o «111», quando alguns de nós pretendiam fazer uma serenata ante a casa do regedor, prendeu-nos a todos. Obedientes, lá fomos parar à esquadra da Bolsa. O chefe, uma excelente criatura, deu-nos minutos depois a liberdade. Protestámos. Só a aceitávamos e estávamos decididos a não abandonar a esquadra, mesmo à força, a não ser que o «111» nos pedisse desculpa. O chefe estava um tanto embaraçado, tanto mais que se estavam juntando, em frente da esquadra, bastantes populares.

O «111», ante a feição que os acontecimentos estavam tomando, pediu-nos desculpa. O chefe fez que não percebeu e deu-nos as boas-noites e conselhos. Alguns dias depois, o «111» foi convidado de honra da «Douta». Comeu-se e bebeu-se bem e a alegria reinou. O «111» apresentou-se à paisana, ficou nosso amigo sincero e pediu que o não metessem em sarilhos quando estivesse de giro no bairro, porque «ordes» são «ordes» para se cumprirem.

A «Douta» também era considerada entre a Academia. A ela pertenciam, em determinado ano, o presidente da Associação dos Estudantes, o director do jornal académico do tempo e um dos dirigentes da Tuna. Por outro lado, a «Douta» sempre se associava a qualquer iniciativa popular das gentes do bairro, nas comissões para as festas do S. João, festas de caridade para socorrer um necessitado ou qualquer outra iniciativa. Por todos era olhado com respeito aquele «grupo de almas gémeas e irmãs», ao qual o primeiro «douto» que dela saiu, o António Fernandes, de Vinhais, ofereceu a sua tese de doutoramento e os seus actos de altruísmo e humanidade muito nos honravam e desvaneciam.

Fiel a estes sentimentos estava no pensamento de todos socorrer os infelizes e infelizes eram os inofensivos animais que a empresa do Palácio de Cristal mantinha em jaulas no seu jardim, para gáudio da pequenada e admiração dos basbaques: uns vinte ou trinta macacos, um porco bravo e dois faisões.

Chegou o momento de actuar. Reuniu-se no restaurante do Palácio um V ano médico, em festa de confraternização e despedida. A «Douta» foi convidada para a festa. O jantar terminou já noite adiantada. Os da «Douta» resolveram discretamente abrir as jaulas dos animais. Estes preferiram, de momento, o sono à liberdade. Porém, de manhã, havia grande alvoroço para os lados do Palácio. Os macacos eram por toda a parte, o povo ria às gargalhadas com as momices dos libertados, vieram os bombeiros e o caso até foi falado nos jornais. O javali mais uma vez provou a pouca inteligência com que são tidos os da sua raça. Não tinha saído da toca. Os faisões, porém, um prateado e outro dourado, nunca mais foram encontrados. Foram libertados de vez do seu martirizante cativeiro.

O espírito de amizade e solidariedade que existia na D. A. C. acompanhou-nos pela vida fora. Alguns já lá vão e o primeiro a partir foi o mais jovem de todos, o João Ribeiro. Enterre-se o passado com piedade e demos à saudade o que é do tempo, como disse o grande Antero.

O último exame que fiz, ou melhor, que tentei fazer na Universidade, foi com Mestre Bonifácio. Foi a única desistência, ou melhor, reprovação que tive na minha vida académica. Do Mestre Bonifácio contavam-se, no meu tempo, muitas anedotas. O seu tom de voz inconfundível, a sua lealdade, o seu aprumo e o seu saber marcavam em todos os seus alunos um sentimento de respeito. Creio que todos os exames de geometria analítica[5] dos seus alunos, e podem contar-se por milhares, principiavam invariavelmente com a frase: trace a Linha-Terra. Só duma vez me sorri quando ele disse a um meu condiscípulo que examinava: ponha essas rectas mais paralelas...

Depois de ter cursado em duas faculdades e ser assistente duma delas, resolvi, um tanto por diletantismo, frequentar as cadeiras de Geometria Descritiva e Mecânica Racional, ambas regidas por Mestre Bonifácio. Na Descritiva a coisa não correu mal. Presidia ao acto o assistente Queirós. E enquanto Mestre Bonifácio com ele conversava, e de costas voltadas para mim, o examinando, fui lentamente traçando a Linha-Terra. Mestre Bonifácio volta-se e diz-me, com voz de trovão: «Quem lhe mandou fazer esse risco? Nos meus exames o carro não anda diante dos bois...» Apaguei o risco. «Vamos principiar o exame – diz Mestre Bonifácio –, trace a Linha-Terra.

Porém, um ano depois, apresentei-me a acto de Mecânica. Foi um fracasso. Para tal concorreu, talvez, a má disposição momentânea do Mestre e o facto de me ter estendido nas equações de Lagrange. A certa altura do exame, o Mestre diz-me com sisuda carantonha, que lhe era tão peculiar: «Desista do seu exame e venha cá na próxima época; o senhor merece um dez, mas como tem responsabilidades nesta casa deve cá voltar de novo mas mais bem preparado».

Alguns dias depois, o João da Biblioteca veio dizer-me que Mestre Bonifácio me queria falar. E quando o procurei disse-me afavelmente: «O senhor não sabe nada de cálculo; estou pronto a dar-lhe algumas lições». Agradeci-lhe mas nunca mais o procurei, não sei bem porquê, talvez por timidez ou porque novos rumos orientassem a minha vida. Alguns anos decorridos, já Mestre Bonifácio, segundo creio, estava jubilado, encontrei-o casualmente e, quando cerimoniosamante o cumprimentava, disse-me secamente: «Afinal nunca cheguei a ensinar-lhe a integrar». Desculpei-me um tanto confuso e nunca mais o vi.

Eram assim os mestres do meu tempo. De todos guardo grata recordação. A eles devo o que tenho sido na vida. Quase todos já lá vão. Que os que cá estão ainda, somente dois, me continuem olhando com a simpatia com que sempre me distinguiram.

Lisboa, 6-12-61.




[1] Isto é, antes de 1922. Por uma referência abaixo aos trauliteiros, é de supor que o autor tenha chegado ao Porto em 1919.

[2] Não é claro no texto, mas convém esclarecer: os trauliteiros não eram um grupo académico, e sim bandos de arruaceiros ligados à revolta monárquica de 1919 (conhecida como Monarquia do Norte ou Reino da Traulitânia).

[3] "Acto" ainda tinha o significado de exame.

[4] "Futrica", na gíria académica de Coimbra, designava alguém que não é estudante. Como se vê aqui, o termo chegou também ao Porto.

[5] Deve ser gralha. Estes exames deveriam ser de Geometria Descritiva. Em Geometria Analítica não há linha de terra.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Capa e Batina: a roupa do estudante

[A primeira versão deste texto, com o nome "A Capa e Batina - O Símbolo da Universidade", foi publicada no Guia do Caloiro da AEFCUP de 1994; a versão aqui reproduzida apareceu no Guia do Caloiro de 1998, mas infelizmente com um sério erro de edição: desapareceu uma linha, alterando consideravelmente o sentido de uma frase; essa linha foi aqui reposta. O texto deve ser lido tendo em atenção que se destinava essencialmente a caloiros e em particular aos da Faculdade de Ciências. Resisti à tentação de reescrever algumas partes, mesmo as que necessitariam de uns ajustes gramaticais.]


Muitas vezes, quem vê uma Capa e Batina pela primeira vez fica convencido que aquilo é uma roupa de cerimónia e de luxo, extremamente elitista. Nada mais falso. A Capa e Batina é para ser usada em (quase) qualquer situação (na praia não dá muito jeito); pode, também, ser usada como roupa de gala em certas condições (v. abaixo). Normalmente é para usar com simplicidade como uma roupa do dia-a-dia que é. A sua ideia é ser uma roupa para qualquer estudante, independentemente do poder económico (é barata considerando a qualidade e as vezes que se pode usar) e da altura do ano: se chover traça-se a capa, se fizer sol, tira-se o colete e põe-se a capa ao ombro, etc. A capa dá muito jeito para abrigar do frio da madrugada quando se volta a casa de uma noite de boémia, e eventualmente também para abrigar outras pessoas (o que pode ser bastante interessante).

É provável que ouças muitas regras sobre o uso do traje. Não podes fazer isto, tens que fazer aquilo, aqueloutro tem que ser em número ímpar, etc., etc., etc. A maior parte dessas regras são invenção de gente que não tem mais nada que fazer. Como distinguir as regras a mais das que têm fundamento? É com certeza muito difícil para um caloiro (até mesmo para a maior parte dos doutores). O que é preciso é ter bom-senso, perguntar a várias pessoas, combinar as várias respostas e tentar seguir as que pareçam ser mais tradicionais e fazer mais sentido dentro do espírito académico e praxístico. Ninguém disse que a Praxe era uma coisa imediata, embora muita gente pareça agir assim.

Mas pode-se dar já algumas ideias gerais. Fundamentalmente, o traje académico é para ser usado com sobriedade. Por exemplo, não há qualquer regra sobre tamanhos de brincos, mas já se sabe que não são admissíveis brincos que dêem demasiado nas vistas; brincos discretos não trazem problemas. Objectos de luxo em geral estão postos de parte.

Há também questões de boa educação e de bom gosto no uso do traje académico: por exemplo, é de má educação não ter a capa pelas costas em alguma ocasião um pouco mais solene, e demonstra uma certa dose de parolice ter a capa sempre muito dobradinha ao ombro, mesmo que esteja a chover ou um frio de rachar, mostrando uma quantidade de emblemas comprados na esquina, como quem diz: "sou muito académico porque tenho muitos emblemas".

Mas para quem gosta de regras, mesmo, leiam o seguinte. Nalgumas coisas há opiniões diferentes, mas em geral se seguirem estas indicações não devem ter problemas. Algumas não são regras em si mesmas, mas aplicações particulares de regras gerais, que mudam se as condições particulares mudarem. Agora, por amor de Deus (Baco), não tentem interpretar as vírgulas!


Traje Académico Masculino
:

- Capa preta;
- Batina preta de formato não eclesiástico;
- Calças pretas;
- Colete preto (dispensável em caso de muito calor);
- Gravata preta;
- Camisa branca com colarinhos normais;
- Meias pretas;
- Sapatos pretos de formato simples;
- Gorro preto (facultativo), sem borla e sem terminar em bico.

A batina deve ter um botão na parte de trás da lapela direita (e a casa correspondente na outra), para fechar em caso de luto.
Há uma versão de gala, com colarinhos de bico e laço preto em vez de gravata.


Traje Académico Feminino
:

- Capa preta;
- Casaco preto;
- Saia preta travada;
- Gravata preta;
- Camisa branca;
- Meias pretas;
- Sapatos pretos de formato simples;
- Gorro preto (facultativo), sem borla e sem terminar em bico.

Há divergências quanto à cor das meias: é, no entanto, unanimemente aceite que as orfeonistas usem meias cor de pele.
Não existe versão de gala.


Quando se usa a capa pelas costas, esta deve ter algumas dobras no colarinho. Há quem indique o número correspondente ao ano do curso em que se está, mas não se preocupem muito com isso.

A capa deve ter colchetes no colarinho, para apertar em caso de luto. Há quem diga exactamente o contrário, mas parece-nos, analisando as suas razões, que esta é a opinião mais correcta dentro do espírito tradicional.

Há quem diga que à noite a capa deve ser traçada ou, pelo menos, estar pelas costas. Numa serenata, tem absolutamente que estar traçada. Em qualquer ocasião de maior solenidade ou em que se deve mostrar respeito, a capa deve ser usada pelas costas e (embora menos importante), a batina apertada.

Na Missa, a capa põe-se pelas costas, sem dobras (mas não com os colchetes apertados).

Há muitas tradições diferentes relacionadas com os rasgões na capa. O fundamental é que se refiram a coisas muito importantes e que são feitos com os dentes (nada de tesouras!).

Pode-se ter emblemas cosidos no lado de dentro da capa, na parte inferior esquerda, desde que não se notem os pontos do lado de fora, nem os próprios emblemas quando a capa estiver traçada ou pelas costas.

Considera-se que os emblemas se devem referir a aspectos importantes da vida académica, ou muito importantes da vida pessoal. Por exemplo, um sítio onde se foi em digressão de algum organismo académico (se a ida foi mesmo académica), mas não um sítio onde se foi no Verão, de Interrail.

Os emblemas deviam ser, em princípio, isso mesmo: emblemas. Não exagerem nos "penduricalhos"! Em particular os grelos, nabiças, etc. na capa são dispensáveis.


Insígnias:


- semente: usa-se (só) nos cursos de cinco anos, durante o segundo ano. É uma fita pequena de algodão, com um nó, presa por um alfinete ao bolso superior esquerdo da batina ou casaco.

-nabiça: usa-se no segundo ano dos cursos de quatro anos, e no terceiro nos cursos de cinco. É uma fita pequena de algodão, com um laço, presa por um alfinete ao bolso superior esquerdo da batina ou casaco.

- grelo: usa-se no terceiro ano dos cursos de quatro anos e no quarto nos cursos de cinco. É uma fita de algodão que circunda a pasta onde esta dobra para fechar, terminando em laço.

- fitas: usa-se no último ano de qualquer curso. São oito fitas de seda dispostas ao redor da pasta.

(Nota: estes anos referem-se aos anos do curso e não ao número de inscrições. Há casos em que é difícil calcular o ano em que se está, mas apelamos ao bom senso).

Todas estas insígnias se colocam na Imposição de Insígnias da Queima das Fitas do ano anterior ao respectivo (se se calcular que se vai passar de ano). Obviamente só se usa insígnias (excepto cartola e bengala) estando de capa e batina.

Também se considera como insígnia a cartola e bengala, que se usa durante a Queima das Fitas em que se é finalista. Com a cartola e bengala os homens usam um laço e as raparigas uma roseta na lapela.

A cor de todas as insígnias é a da faculdade respectiva (no nosso caso azul claro).

As insígnias devem ser recolhidas à noite (normalmente exclui-se da obrigatoriedade a Queima e as Serenatas Monumentais).

Só se usam insígnias entre o início oficial do ano lectivo e a Queima das Fitas.

Não se usam insígnias fora do Porto (enfim, Grande Porto).

João Caramalho

P.S.: Antes que ouçam asneiras: os caloiros podem e devem usar traje académico e podem traçar a capa.