quinta-feira, 13 de abril de 2023

Os discos e as partituras de Manassés de Lacerda

[Entrada actualizada em 22/04/2023. A mudança mais relevante é a inclusão das imagens das partituras.]

Como já foi dito neste blogue, em Manassés de Lacerda e a sua passagem pelo Porto, Manassés de Lacerda gravou vários discos, no Porto, por volta de 1905-1906.

O ano certo em que foram feitas as gravações não é conhecido, e tanto quanto sei não é impossível que datem de 1904, na sequência do êxito de Manassés na digressão da Tuna Académica da Universidade de Coimbra pelo norte do país. Mas a edição de partituras dos seus fados por Artur Barbedo, com clara associação aos discos, pode ser datada de 1906, como veremos abaixo. Assim, parece-me mais provável que as gravações tenham sido feitas em 1905 e/ou 1906.

Apesar de terem tido grande sucesso na sua época, os discos de Manassés de Lacerda vieram a cair no esquecimento, eclipsados pelos sucessos ainda maiores de cantores como António Menano na década de 1920. Em 2006, conhecedores tão profundos da história da música de Coimbra como José Anjos de Carvalho e António Nunes ouviam pela primeira vez uma gravação de Manassés: http://guitarradecoimbra.blogspot.com/2006/10/fado-maria-rosto-do-disco-de-78-rpm.html.
Actualmente a situação é diferente, já que doze dessas gravações estão disponíveis para audição no Arquivo Sonoro Digital do Museu do Fado, digitalizadas a partir de discos da colecção Bastin.
É necessário, no entanto, ter algum cuidado porque, infelizmente, os responsáveis do Arquivo não distinguiram Manassés de Lacerda do "tenor Lacerda", um cantor que se terá aproveitado da popularidade do primeiro para vender discos na década de 1910. Isto é: nem todas as gravações identificadas no Arquivo como sendo de Manassés de Lacerda são do próprio. No entanto, a leitura das etiquetas dos discos, bem como a audição das gravações, permite facilmente fazer esta distinção.

Vejamos então as gravações disponíveis, genuínas, de Manassés de Lacerda, notando que há duas séries de discos, comercializados por editoras distintas.


(Etiqueta do disco Beka 7314, imagem retirada de Repertório de Manassés de Lacerda (1).)

Para a editora alemã Beka, Manassés gravou com acompanhamento de guitarra os seguintes discos, disponíveis em https://arquivosonoro.museudofado.pt/interprete/189/manasses-de-lacerda (facilmente reconhecíveis pela etiqueta amarela):

Canção da Encosta
(Beka 7316)

Fado Corrido
(Beka 7318)

Fado das Ruas
(Beka 7314)
[Sobre este tema, v. Repertório de Manassés de Lacerda (1)]

Fado do Porto
(Beka 7374)

Fado do Povo
(Beka 7319)

Fado Hilario
(Beka 7373)

Fado Serenata
(Beka 7320)


Para a Gramophone Co. (e/ou para a Zonophone, que era uma filial da Gramophone), Manassés gravou com acompanhamento de piano os seguintes discos, disponíveis em https://arquivosonoro.museudofado.pt/interprete/189/manasses-de-lacerda:

Fado Amoroso
(disponível em duas cópias, G.C.3-62293 (?) com etiqueta cor de vinho e G.C.-62382 com etiqueta preta)

Fado das Lágrimas
(disponível em duas cópias, G.C.3-62292 (?) com etiqueta cor de vinho e G.C.-62385 com etiqueta preta)
[Sobre este tema, v. Fado das Lágrimas e Fado das Lágrimas]

Fado dos Sonhos
(disponível em duas cópias, G.C.3-62296 (?) com etiqueta cor de vinho e G.C.-62386 com etiqueta preta)

Fado Hilario
(disponível em duas cópias, Gra.3-62297 (?) com etiqueta cor de vinho e G.C.-62384 com etiqueta preta)

Fado Maria
(Zo. X-52063)

Reforço que as restantes gravações disponíveis em https://arquivosonoro.museudofado.pt/interprete/189/manasses-de-lacerda (Fado Ciumento, Fado da Pálida madrugada com variações de flauta, Fado das Salas, Fado Lisboa e Maria Paula) não são de Manassés de Lacerda, e sim do "tenor Lacerda".


Paralelamente, o comerciante de gramofones portuense Artur Barbedo editou duas ou três séries de partituras de Fados e canções portuguezas cantadas por Manassés de Lacerda, para cylindros e discos de machinas fallantes; Porto: Litographia Portugueza. As brochuras não aparecem datadas, mas a 1.ª série deu entrada na Biblioteca Nacional de Lisboa em Março de 1906, e a 2.ª em Maio do mesmo ano [Boletim das Bibliothecas e Archivos Nacionaes, 5.º ano (1906), p. 102 e 200]; a 3.ª série parece não ter chegado a ser depositada na BN.

Se a capa indicava que as partituras eram de temas gravados por Manassés, a contracapa reforçava a associação: Artur Barbedo não só vendia discos e gramofones, como os reparava e tinha mesmo um "atelier d'enregistrar". Terá sido aí, no 1.º andar do n.º 310 da Rua Mouzinho da Silveira, que Manassés de Lacerda gravou os seus discos?

No entanto, note-se que a correspondência entre os discos e as partituras não é perfeita: dos 30 temas com direito a partitura, apenas 10 aparecem nos discos referidos acima (mas é possível que a colecção Bastin não incluísse todos os discos gravados por Manassés); um dos fados gravados por Manassés não parece constar em nenhuma das séries (Fado do Povo, Beka 7319, talvez o mais «afadistado»; a letra aparece como «Pregões de Lisboa» em Alberto Pimentel, A triste canção do sul, 1904, 110-112); alguns temas têm títulos diferentes (e há mais algumas pequenas diferenças).

A partir de 1914 as três séries tiveram reedições por parte de uma editora portuense especializada em música impressa, a Casa Moreira de Sá. A capa das brochuras mantinha-se, mas sem referências a discos nem gramofones. António Nunes mostrou que pelo menos uma dessas reedições é de 1920 ou posterior; além disso, as séries editadas por Moreira de Sá tiveram também distribuição no Brasil [Repertório de Manassés de Lacerda (1)]. Conheço ainda um exemplar da 5.ª edição da 3.ª série, que foi oferecida à Associação Académica do Porto em 1925 por José Belchior Júnior (o qual era autor de várias músicas, incluindo um fox-trot "Capa e Batina", publicadas pela Casa Eduardo da Fonseca, mas isso será outra história).

Os temas constantes de cada uma das três séries são os seguintes:

1.ª Serie

Fado das ruas («Oh pallida madrugada») [disco Beka 7314]

Fado amante («Eu hei-de ir ao cemiterio»)

Fado da saudade («Sumia-se a barca, eu chorava»)

Canção da encosta («Quando subo pela encosta») [disco Beka 7316]

Fado amoroso («Meu canto ao vento fluctua») [disco G.C.3-62293 / G.C.-62382]

Fado de Coimbra («A lua, pastor bendito»)

Fado da briza («A brisa dizia á rosa»)

Fado Maria («Maria tu és na terra») [disco Zonophone X-52063]

Fado das lagrimas («Oh! fonte que estás chorando») [disco G.C.3-62292 / G.C.-62385]

Fado serenata («Ai que martyrio não visto») [apesar de um dos discos acima ter o título «Fado serenata», não se trata deste tema; v. abaixo Fado Bohemio]

2.ª Serie

Fado Hylario Moderno («Eu quero que o meu caixão») [discos Beka 7373 e G.C.3-62297 / G.C.-62384, em ambos como Fado Hilario]

Fado Nocturno («Na noite calada e erma»)

Fado Ideal («Morena teus olhos bellos»)

Fado das Rosas («Deixas-me óh; formoza pomba») [disco G.C.3-62296 / G.C.-62386, como Fado dos Sonhos]

Fado Corrido, 1.º («Meu doce fado és tão triste») [disco Beka 7318, como Fado Corrido]

Fado Primavera («Cantarei na despedida»)

Talvez te escreva («Talvez te escreva se as saudades»)

Fado de Monte-mór («Tu não vês meu amorzinho»)

Fado Estoril («Á beira d'alvo regato»)

Fado Brejeiro («Anda o sol a mal com a lua»)

3.ª Serie

Fado corrido 2.º («Amor é sonho que mata»)

Adeus-Canção («A ti, que em astros desenhei nos ceus»)

Fado Bohemio («Não chores violão, não chores») [disco Beka 7320, como Fado Serenata]

Fado de Lisboa («Passarinhos, meus amigos»)

O meu fado («Na minha campa desfolha»)

Fado de Guimarães («A trança que tu me déste»)

Fado triste («Envolto nos teus cabelos»)

Fado da Minha Terra («Das lagrimas faço contas»)

Fado do Porto («Ouvi dizer de amor louco»)

Serenata d'Amor («Acorda, á janela, vem manso e de leve»)

(As partituras da 3.ª séries foram digitalizadas a partir de fotocópias que me foram cedidas pelo dr. Carlos Teixeira, há mais de 25 anos.)

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