Um dos grandes defeitos das tradições académicas portuenses é a falta de memória.
É verdade que a característica principal de qualquer tradição é o facto de ser passada de geração em geração, sendo um pouco deturpada em cada passagem, que é o que lhe permite evoluir. Se tivermos um conhecimento rigoroso acerca dum hábito de há cem anos e se o reproduzirmos fielmente, estamos a fazer uma reconstituição histórica e não a viver uma tradição. Mas o desconhecimento total dos hábitos dos nossos "avós" (praxisticamente: daqueles que praxaram os que nos praxaram a nós) impede que tenhamos uma visão equilibrada das tradições, de quais as que representam uma longa evolução com significado(s) e de quais as que não passam de modas recentes. Eu, que tive dez inscrições, vi demasiadas vezes pessoas a defenderem acerrimamente costumes "sagrados" porque "antiquíssimos"... que eu tinha visto nascer!
A transmissão do que "se passava antigamente" (não me refiro a cinco, dez anos atrás, mas vinte, trinta, cinquenta, cem...) não pode ser confiada só ao meio oral: é que pouca gente tem um antigo estudante na família e a visão de um antigo estudante é quase sempre redutora ao seu tempo. É necessária então uma memória escrita. Mas enquanto que a bibliografia sobre Coimbra é abundante, sobre os hábitos dos estudantes do Porto o que existe é ou extremamente difícil de encontrar ou muito fraco (ou as duas coisas simultaneamente). Assim se explica que, quando em 1982 dois estudantes da Universidade Católica no Porto, Manuel Cabral e Rui Marrana, resolveram escrever um livro sobre as tradições académicas no Porto, a sua principal fonte de informação tenha sido o Museu Académico... de Coimbra. E o resultado, Quid Praxis, tem muito pouco sobre as tradições que tinham existido no Porto antes da interrupção dessas tradições nos anos 70 (da qual se estava ainda a sair quando o livro foi publicado) - o interesse do livro, hoje em dia, resume-se praticamente ao facto de ser um documento histórico sobre a época em que foi escrito.
Esta página pretende ser um contributo para contrariar esta falha. Tentarei reunir aqui fundamentalmente dois tipos de textos: por um lado, memórias de antigos estudantes do Porto que se encontram dispersas por diversas publicações (mas especialmente nos números únicos do jornal Porto Académico de 1937, 1938 e 1962 - daí o nome da página); por outro, textos da minha autoria em que tentarei fazer uma história de diversas tradições académicas: o traje académico; as tradições musicais (fados, tuna, orfeão); as festas (queima das fitas e afins); a praxe ao caloiro.
O projecto é concerteza demasiado ambicioso, pois em geral é necessário partir do zero. Para piorar as coisas, eu tenho um doutoramento para fazer (cujo tema não é este!), e estou a viver em Londres, de onde o acesso à documentação necessária é, para ser eufemístico, muito complicado. Este projecto é, portanto, um projecto a longo prazo... muito longo prazo. Mas se acharem que o que aqui já está tem algum interesse, vão aparecendo de vez em quando, e nunca se sabe: pode ter havido alguma actualização.
Saudações académicas!
( Londres, 29 de Outubro de 2003)
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